Cerimônia de posse dos
vereadores, prefeito e vice-prefeito de Boa Vista (PB) em 2021. Cidade nunca
elegeu uma mulher para a administração pública. — Foto: Divulgação/Câmara
Municipal de Boa Vista
Com nome de mulher, a cidade
de Conceição do Pará, em Minas Gerais, só tem homens no poder há
mais de 40 anos. A cidade nunca teve uma prefeita e a última vez que mulheres
ocuparam vagas de vereadora foi em 1980, segundo registros da Câmara Municipal.
O presidente da Câmara,
Geraldo Luciano Campos (Avante), acredita que "ainda falta um pouco de
coragem para [as mulheres] se engajarem”.
Assim como Conceição do
Pará, outras nove cidades brasileiras não elegem mulheres para
a administração pública ao menos desde 2000, segundo o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
O levantamento não leva em
conta mulheres que tomaram posse por terem se tornado suplentes ou após a
cassação de chapas anteriores.
Para Débora Thomé,
pesquisadora da FGV e uma das autoras do livro "Candidatas: Os Primeiros
Passos das Mulheres na Política no Brasil", casos extremos como esses
funcionam como uma alegoria de um problema maior: a baixa presença de mulheres
na política no Brasil.
Enquanto as mulheres são 52,4%
do eleitorado, neste ano, elas representaram 15,4% das prefeitas eleitas e
18,2% das vereadoras.
"Os partidos políticos
não dão apoio suficiente, não repassam o dinheiro que deveriam e não investem
em candidaturas ou lideranças femininas", disse a pesquisadora.
A pesquisadora ressalta que a
experiência prévia em cargos públicos é um dos principais fatores que
impulsionam a eleição. Assim, a baixa eleição de mulheres perpetua um ciclo
vicioso de pouca representatividade.
"O maior preditor para
alguém se eleger é já ter sido eleito antes. Sendo a maioria dos vereadores
eleitos homens, isso aumenta ainda mais essa disparidade de gênero."
Há 26 anos, a legislação
brasileira estabelece que cada partido ou coligação assegure um mínimo
de 30% de candidaturas de cada gênero nas eleições para a Câmara dos
Deputados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e
Câmaras Municipais.
Em agosto deste ano, foi
aprovada a chamada PEC
da Anistia, que isenta os partidos políticos de multas por descumprimento
dos repasses mínimos para candidaturas negras e cria um perdão amplo para outras
irregularidades em prestações de contas eleitorais. Embora não trate
diretamente da questão das mulheres, o entendimento de críticos é que isso
poderia também permitir a anistia para casos de não cumprimento do repasse para
a cota de gênero.
Conheça as cidades sem
mulheres eleitas desde 2000:
Boa Vista (PB) - cidade de 28
anos nunca elegeu nenhuma mulher
Desde sua primeira eleição, em
1996, a cidade localizada a cerca de 160 km de João Pessoa nunca elegeu
uma candidata.
O presidente da Câmara dos
Vereadores, Fernando Aires (Republicanos), afirmou que é "difícil apontar
os fatores que não garantiram esse resultado [eleger mulheres]." No
entanto, ele destacou que cinco mulheres ocupam cargos em secretarias municipais.
Cabeceiras (GO) - fraudes à
cota de gênero em 2020
Desde a emancipação da cidade
em 1958, nenhuma mulher chegou ao cargo de prefeita. O prefeito, Everton
Francisco de Matos (PDT), afirmou que "falta a participação efetiva [de
mulheres] com esse objetivo [de representação política]."
Com pouco mais de sete mil
habitantes, Cabeceiras elegeu sua última mulher para o cargo de vereadora em
1996.
Em 2020, o TSE identificou
fraudes à cota de gênero na cidade, com candidaturas fictícias para o cargo de
vereadora registradas pelo partido Democratas (DEM). Na ocasião, três
candidatas foram lançadas apenas para preencher a cota mínima exigida pela legislação.
Conceição do Pará (MG) - para
prefeito, ausência feminina é 'tradição'
Em uma ata de 1980,
constam as assinaturas das duas últimas mulheres que atuaram
no legislativo da cidade: Maria Auxiliadora Viegas e Maria das Dores Lemos.
Desde então, nenhuma outra mulher foi eleita para cargos políticos no
município.
Ata de 1980 da Câmara de
Vereadores de Conceição do Pará mostra as assinaturas das duas últimas mulheres
que atuaram no legislativo da cidade. — Foto: Reprodução
O prefeito, José Cassimiro
Rodrigues (Cidadania), acredita que a ausência feminina seja por causa da
"tradição" da cidade. "Talvez por isso, as mulheres ainda não se
propuseram ou encontraram espaço para participarem de alguma eleição municipal,
nem para o cargo de prefeita ou vice."
Neste ano, 26 mulheres se
candidataram (34% das candidaturas da cidade). Nenhuma se elegeu.
Guaraciama (MG) - nenhuma
mulher eleita na história da cidade
Desde sua primeira eleição, em
1996, Guaraciama, localizada a cerca de 400 km de Belo Horizonte, nunca
elegeu uma mulher para os cargos de vereadora, vice ou prefeita.
O prefeito reeleito, Zé Maria
Dedim (Solidariedade), disse que "as mulheres que querem ser candidatas
precisam trabalhar para serem eleitas não apenas no período da campanha".
O prefeito disse ainda que colocou mulheres em secretarias estratégicas por
acreditar no "olhar mais sensível e detalhista" delas.
O presidente da Câmara, Bruno
de Betim (Solidariedade), justificou a ausência de mulheres na política local
como uma "questão cultural", e afirmou que a população "está
acostumada" a votar em homens.
O pensamento de Betim se
reflete nas urnas. Fabiana Freire, candidata ao cargo de vereadora neste ano,
concorreu com o nome de Fabiana De Zé Morcego, em referência a seu pai, o
ex-vereador José Osvaldo (Zé Morcego). Ele, que faleceu em dezembro de 2023, estava
no sétimo mandato consecutivo e nunca havia perdido uma eleição. Fabiana se
candidatou pela primeira vez neste ano, mas obteve apenas 64 votos e não foi
eleita.
Lagamar (MG) - 'cultura local'
nunca elegeu mulheres, diz prefeito
No município de seis mil
habitantes no Noroeste de Minas Gerais, 21 mulheres concorreram a uma vaga de
vereadora nas eleições deste ano, mas, mais uma vez, nenhuma foi
eleita.
O prefeito Auro José Pereira
(PSDB) afirmou: "Nunca teve prefeita e nem vice-prefeita. Sempre foi
candidatura ocupada por homens. Acredito que isso se deve mais à cultura
local." O presidente da Câmara, Daniel Lopes (MDB), afirmou que "sempre
teve mulher bem votada, mas não a ponto de se eleger" na cidade.
Oliveira Fortes (MG) - mulher
não ocupa cargo público há 32 anos
Há 32 anos, em 1992,
foi a última vez que uma mulher ocupou um cargo público em Oliveira
Fortes, município de pouco mais de dois mil habitantes de Minas Gerais. A
ex-vereadora Agueda de Araújo Campos exerceu seu mandato de 1989 a 1992.
Neste ano, 30% das
candidaturas foram de mulheres. Nenhuma se elegeu. Até ao menos 2028, a cidade
continuará sem representantes femininas.
Pau D'Arco do Piauí (PI) -
mulheres só assumiram após cassação e morte
A única mulher que ocupou uma
vaga na Câmara teve só um voto e só alcançou o cargo porque o vereador titular
foi cassado e o suplente morreu em um acidente de carro.
O mesmo ocorreu com Joana de
Sousa Bacelar, que tornou-se vice-prefeita em 2011, após a cassação da chapa de
Fábio Soares Cesário, que foi declarado inelegível por ser parente socioafetivo
(filho de criação) de Expedito Sindô, ex-prefeito do município. No Brasil, uma
das causas de inelegibilidade abrange cônjuges e parentes consanguíneos ou
afins até o segundo grau, incluindo adoção.
Neste ano, 16 mulheres se
candidataram, um total de 32% das candidaturas, mas nenhuma foi eleita.
São Fidelis (RJ) - única
vereadora eleita na cidade ocupou cargo em 93
Localizada a 180 km da
capital, São Fidelis nunca elegeu uma mulher para os cargos de prefeito ou
vice. A primeira - e única - vereadora eleita pelo voto
popular na cidade foi Regina Cely Pereira Afonso (PMDB), que exerceu seu
mandato de 1993 a 1996.
Nesta eleição, 45 mulheres
concorreram, representando 30% das candidaturas.
São Geraldo do Baixio (MG) -
nunca elegeu uma mulher em sua história
Desde sua primeira eleição, em
1996, São Geraldo do Baixio nunca elegeu uma mulher na administração
pública.
Raimilson da Cruz, presidente
da Câmara de Vereadores, afirmou "não saber" a razão: "Realmente
aqui nunca teve uma vereadora eleita. Não sei o porquê. Não sei se as próprias
mulheres não são adeptas a votar em mulheres. Poderia haver mulheres como
vereadoras. No futuro, elas poderiam reconsiderar ter suas próprias
representantes na Câmara."
Vera Cruz (BA) - única mulher
a ocupar cargo público foi eleita na década de 80
A única mulher eleita
na história da cidade foi Solange Maria dos S. Vinagre, que chegou a
ocupar a posição de vice-presidenta da casa legislativa entre 1983 e
1988.
Neste ano, 34% das
candidaturas nas eleições em Vera Cruz eram de mulheres. Nenhuma eleita.
Fonte: g1.globo.com